1. Todos os dias me confronto com a disparidade entre o longo caminho que já percorri, com as inerentes limitações e mazelas do corpo, e a juventude, e, por vezes, o adolescente e a criança que nunca deixei de manter e ser. Já o disse aqui que, como agora, sentado frente ao monitor, a ver as ideias transformadas em palavras e frases escritas (em Arial 14), não tenho corpo, nem coronárias entupidas pelo colesterol, nem as sequelas de dois AVCs, nem o neurinoma do lado direito do cérebro, nem acentuada deficiência auditiva. 

    Decorridos que foram mais de setenta anos sobre a minha vivência alentejana, transporto comigo marcas indeléveis desta região do país. O seu montado de azinho e sobro e as suas planuras de searas ondulantes, ainda verdes em começos de Maio e já a dourar sob o calor de Junho, simbolizam a paisagem que, como é natural, mais se identifica comigo.

     

    Esta paisagem faz-me regressar às raízes e nelas está, ainda, a casinha isolada, a que chamamos monte, no cimo de uma ondulação do terreno, branca de cal, com cunhais e ombreiras azul-cobalto e uma grande chaminé fumegante. Lá dentro, como na casa da minha avó, em que fui criança, está o lume de chão e os enchidos ao fumeiro. Nessas raízes estão ainda os cheiros e os sabores das ervas aromáticas, os saberes, os falares e os cantares locais. Tantas marcas do Alentejo reflectiram-se nos meus gostos pessoais e profissionais. Os vários livros de ficção e de memórias que escrevi são disso testemunho, do mesmo modo que o são a maioria dos trabalhos que realizei e escrevi como geólogo.

     

    Tudo começou como adolescente curioso de saber, mais amante dos trabalhos que se faziam na cidade e nos campos, do que da instituição escolar de então, que eu achava desinteressante e rígida. Foi no meio rural que despertei para a divulgação científica, um gosto que me ficou e desenvolvi a par de uma vivência, igualmente gratificante, de ensino e de investigação científica na Universidade. Sendo um fruto da cidade, sempre me senti melhor no mundo rural. 

    Esta inclinação foi, simultaneamente, causa e consequência de um campismo meio selvagem que pratiquei nessa fase da minha vida, na companhia do meu irmão Mário e de alguns amigos, um campismo ao encontro das herdades, dos montes e das aldeias do concelho de Évora e, também, das suas gentes. Ao gosto pelo campo, em geral, e pela geologia (uma vocação que, cedo, se despertou em mim, devida a um professor de Ciência Naturais) em particular, juntava-se o do convívio com os camponeses. Com alguns deles troquei os ensinamentos dos meus manuais de estudo com os seus saberes fruto da experiência vivida na natureza e com eles iniciei uma vivência social e política, impensável no meio citadino, a todos os níveis vigiado e censurado, que marcou a minha maneira de estar e ver o mundo. 

    Nestas incursões nos campos do Alentejo, conheci, de muito perto, os trabalhos que, nesse recuado tempo, ali se faziam. Do lançar do trigo à terra, em braçadas do semeador, certas e cadenciadas, à debulha, sob o brasido do sol de Verão e do calor não menos intenso da ruidosa locomóvel, entre nuvens de moínha, ao erguer um “castelo” de palha em cima de uma carroça, tudo o que vi e experimentei me deu a noção exacta do valor do pão. E esse tudo foi presenciar o abrir dos regos, um trabalho duríssimo de homem só, de mão firme na rabicha do arado, de aivecas bem fundas, puxado por possantes parelhas de mulas; foi a monda da primavera, um trabalho de mulheres novas e velhas, tagarelando e cantando; e, finalmente, a colheita do cereal partilhada por “ratinhos”, nome algo depreciativo que se dava aos homens da Beira Baixa vindos todos os anos para a “aceifa”.

    Assisti a descortiçagens (ou despelas, no dizer de alguns) nos montados de sobro e dei-me conta da perícia dos tiradores, manuseando o machado, e dos molheiros, a amontoarem as pranchas de cortiça, explicando-me depois que, assim, bem arrumadas numa pilha de base rectangular, permitiam ter uma ideia do peso de toda a tirada. Ficou-me no ouvido o som cavo do machado, bem afiado e brilhante do uso, a entrar fundo na cortiça madura, e o cantar das grandes e encurvadas pranchas a descolarem do tronco descarnado.

    Experimentei o varejo da azeitona e andei de joelhos a apanhá-la caída nos oleados ali estendidos no chão e estive num velho lagar de azeite o tempo suficiente para saber como se faz o precioso óleo da gastronomia mediterrânea. Vi esmagar a azeitona com mós de pedra num engenho da antiga Fábrica Metalúrgica do Tramagal. Vi espremer, entre capachos, a pasta que dali saía, a separar o bagaço do mosto oleoso, senti o forte aroma do azeite virgem a sobrenadar uma aguadilha suja e percebi o sentir da minha mãe quando dizia «não se come uma azeitona de uma só vez», explicando que não se trata assim uma preciosidade que leva um ano a criar.

    Ajudei, como curioso de ocasião, em vindimas, respirei o cheiro de um outro mosto. Provei o vinho novo pelo São Martinho e acompanhei os trabalhadores, na grande adega das Cortiçadas, petiscando toucinho assado no braseiro da destila, junto ao alambique, acompanhado de “sorvinhos” de aguardente ainda morna, acabada de fazer. 

    Acompanhei, interessado, o trabalho do caleiro, do desmonte e malho da pedra, com a marreta, ao empilhamento, a preceito, do forno. Vi armar e cobrir de terra os tradicionais fornos de carvão e conheci o intenso cheiro a tição que libertavam. Fiquei horas a ver oleiros no trabalho do barro vermelho com a roda e tive oportunidade de apreciar a arte de enfeitar com pedrinhas de quartzo a tradicional loiça de Nisa.

    Bebi água por cocharros de cortiça, tirada do poço, junto ao bebedouro do gado e molhei os pés nos regos das hortas onde nos deixavam apanhar beldroegas com que fizemos tantas das nossas refeições. 

    Foram muitas as vezes que confraternizei com os trabalhadores rurais, sentados no chão, de “navalhinha” na mão, comendo nacos de pão com lasquinhas de queijo ou de linguiça. Não é demais voltar a dizer que foi com estes meus amigos que iniciei a consciencialização dos problemas sociais e políticos que a cidade, nesse tempo vigiada e censurada, não permitia.

    Volto a dizer que com eles interiorizei uma saudável ruralidade que me acompanhou ao longo da vida e me permitiu caldear as influências elitistas do meio académico a que, como aluno e docente, pertenci durante mais de 40 anos.

     

    Ao memorizar essa fase da minha vida sou levado a concluir que foi também com os camponeses que desenvolvi e amadureci este gosto pelo campo, essencial à profissão de geólogo. Com eles e por eles tomei o gosto de divulgar uma actividade que, como disse, marcou toda a minha existência, e que, sem me ter dado conta, acabou por me tornar figura pública, com as vantagens e os inconvenientes que tal acarreta.

    Nas minhas raízes não houve doutores, engenheiros, almirantes ou generais, nem sequer, um sargento. Houve um segundo grumete ao serviço da fragata Dom Fernando II e Glória, que foi o meu pai, uma costureira, que foi a minha mãe, e gente do povo de muitas artes: dois corticeiros, um sapateiro, um curtidor de peles, dois caiadores, um capador, um açougueiro, sem esquecer a minha tia Rosalina, irmã da minha avó materna, que, com as filhas, fazia queijos de ovelha e tinha uma venda de hortaliças, e o meu tio Zézinho, seu marido, conhecido por Zé dos Cabanejos, pelo facto de fazer cestos e canastras ou cabanejos. De toda esta família, só o meu pai estudou, tendo concluído o 5º ano do liceu, o que lhe valeu um emprego mais estimado, permitindo-lhe, em conjunto com a minha mãe, dar aos seis filhos as habilitações a que cada um aspirou.

    Não como turista, mas como profissional, tive oportunidade de fazer algumas deslocações pelo mundo. Mais do que as cidades, atraíram--me os espaços naturais, longe do betão e do asfalto. Foi assim que admirei o Grand Canyon do Colorado, onde tive a percepção da imensidade do tempo geológico, que estive no bordo da grande Cratera do Meteoro e que visitei o Monument Valley, no Arizona, onde voltei a “ver” o Tom Mix, o Buck Jones e o Ken Maynard, os cowboys do Far West, da minha infância. Percorri as planuras entre-montanhas do Oeste Americano, os seus desertos e lagos salgados. No Canadá deslumbrei-me com a miríade de lagos deixados no recuo da última grande glaciação, com o maravilhoso polícromo das suas florestas caducifólias, no Outono, e com as chamadas bad lands de Alberta, autênticos ninhos de fósseis de dinossáurios. No mar azul das Caraíbas, nos recifes e nas areias brancas dos seus fundos e das suas praias vi, no terreno, como se formam os calcários, os de hoje e os do passado com milhões de anos de idade. No Egipto pisei o deserto de areia norte africano, na sua ponta mais oriental, em franco contraste com o verdejante vale do Nilo. Da Amazónia ficaram-me os aromas quentes e húmidos da floresta sempre chuvosa, a luz coada pela densidade da vegetação e o som dos animais que a povoam. Sobrevoei os Himalaias, molhei os pés nas águas barrentas do mar da China e desci ao fundo de uma cratera de vulcão nos Açores.

    Neste percorrer de uma longa caminhada, para além da infância, da adolescência e do tempo que cumpri como miliciano ao serviço do Exército, dou particular atenção às experiências vividas e presenciadas e às reflexões que muitas delas me suscitaram como docente da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, como director do Museu Nacional de História Natural da mesma Universidade e, ao mesmo tempo, como cidadão interventor, sobretudo, na árdua defesa e valorização da geologia e do nosso património natural, numa sociedade cinzenta, à procura de um caminho que ainda não soube encontrar, onde o conhecimento geológico continua arredado dos nossos agentes de cultura e da grande maioria dos nossos decisores aos vários níveis da administração e dos serviços

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  2. Geomonumento instalado na antiga Pedreira do Galinha, foi assim classificado, em 1996, pelo Decreto Regulamentar 12/96 de 22 de outubro.

     

    Como cidadão e como geólogo, é meu dever informar o país e, em especial, os governantes das excepcionais grandiosidade, espectacularidade e importância científica deste invulgar património, o que exige que se pense em grande na sua adequada musealização, como um polo de interesse científico, pedagógico, cultural e turístico de nível internacional, na certeza da sua garantida rendibilidade económica, uma previsão realista que tem, também, em conta, a proximidade (10km) de Fátima, cujo Santuário chama, anualmente, vários milhões de visitantes.

     

     

    O meu propósito relativamente a este Geomonumento pode parecer um sonho ambicioso, mas todos sabemos que “sempre que um homem sonha, o mundo pula e avança”. 

     

    Este propósito visa ultrapassar o muito e o bom que já ali se fez. Engrandece-o ao dar-lhe a importância que lhe é devida.

     

    Trata-se de uma iniciativa pessoal que só me compromete a mim, não só na qualidade de cidadão, que sempre fui e sou, mas também na de quem, desde a primeira hora, há 25 anos, ali deixou muito trabalho. 

     

    Já o afirmei, por palavras faladas e escritas, que não pretendo ultrapassar ninguém.Pretendo, unicamente, servir.

     

     

    OBJECTIVOS DESTE PROPÓSITO

     

    1 - Divulgar amplamente a real importância científica, pedagógica, e cultural deste património natural.

     

    2 - Lembrar que estas potencialidades constituem um grande atractor turístico, potenciado pela proximidade (10km) do Santuário de Fátima.

     

    3 - Convencer as entidades que o tutelam a encontrarem meios para fazerem nascer um projecto a ser “pensado em grande”, com projecção internacional, compatível com as características que o distinguem a nível mundial.

     

    4 – Conseguir que as mesmas entidades encontrem os meios necessários à sua execução.

     

     

    CARACTERÍSTICAS DESTE GEOMONUMENTO

     

    1 - Raridade e significado geológico e paleontológico de uma jazida do Jurássico médio, com cerca 275 milhões de anos, internacionalmente conhecida e reconhecida. 

     

    2 - Qualidade e grande número (cerca de quatro centenas) de pegadas de grandes saurópodes, muitas delas organizadas em trilhos, em número de 20, dois deles, com mais de 140m.

     

    – Grandiosidade e espectacularidade da jazida, no topo de uma única camada de calcário com 62 500 m2 de superfície.

     

    4 - Extensa área envolvente, susceptível de comportar diversos equipamentos complementares deste importante Geomonumento, que especialistas deste tipo de realizações sabem encontrar. Eis algumas, já então pensadas ou propostas, em colaboração com os arquitectos Mário Moutinho e Martins Barata:

    - Percurso de circulação pedonal quilométrico 

    - Jardim jurássico 

    - Museu e Centro de Interpretação 

    - Auditório

    - Espectáculos de luz e som 

    - Espectáculos em 3D, com recurso a realidade virtual

    - Exposições temporárias cobertas e/ou de ar livre

    - Painel do tempo

    - Comboio ou túnel do tempo

    - Parque infantil 

    - Recinto de merendas,

    - Cafetaria e/ou restaurante

    - Silhuetas gigantes

    - Parque de estacionamento automóvel.

     

     

    5 – Atracção turística potenciada pela proximidade (10km) do Santuário de Fátima.

     

     

    ACÇÕES DESENVOLVIDAS NO PRESENTE

     

    1 - Em 27/06/2022, informei, deste meu propósito: 

    - o Director Regional de Lisboa e Vale do Tejo do ICNV, Eng.º Rui Pombo,

    - o Presidente da Câmara Municipal de Torres Novas, Pedro Ferreira,

    - o Presidente da Câmara Municipal Ourém, Luís Albuquerque e 

    - o Presidente da Câmara Municipal de Porto de Mós e da Associação para o Desenvolvimento das Serras d’Aire e Candeeiros (ADSAICA), Dr. Jorge Vala.

    - o Vice-presidente da mesma Câmara, Dr. Eduardo Amaral. 

     

    - Em 17/07/2022, contactei o Primeiro-ministro que o reencaminhou para 

    a Secretaria de Estado do Turismo, Comércio e Serviços, onde já fui recebido, em 05/07/2022, numa primeira reunião, onde explanei o essencial deste propósito.

     

     

    APOIOS RECEBIDOS

     

    Universidade de Lisboa (UL) – Tendo abraçado muito positivamente este propósito, o Reitor, Professor Doutor Luís Ferreira, delegou, em 22/06/2022, a sua representação na Directora do Museu Nacional de História Natural e da Ciência, Doutora Marta Lourenço.

     

    Universidade de Évora (EU) – A Reitora, Professora Doutora Hermínia Vasconcelos, manifestou-nos o apoio desta Universidade a este propósito, tendo, em 12/07/2022, delegado a sua representação no Professor Doutor Rui Dias, desta mesma Universidade.

     

    Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) – O Reitor, Professor Doutor Emídio Gomes, manifestou-nos, em 17/07/2022, o apoio desta Universidade, delegando a sua representação nos Professores Doutores Artur Sá e Elisa Preto Gomes.

     

    Instituto de Ciências da Terra - Envolvendo as Universidades de Évora, Minho e Porto, já nos manifestou, por escrito, em 02/07/2022, idêntico apoio.

     

    Unidade de Investigação “Geobiociências, Geoengenharias e Geotecnologias, da Universidade de Aveiro, idem, em 21/07/2022.

     

    Ciência Viva - A Drª Rosalia Vargas, Directora desta Agência Nacional, a quem, em 24/06/2022, dei conhecimento deste propósito, pretende ser parte dele.

     

     

    Sociedade Geológica de Portugal (SGP) – Declarou verbalmente, em 18/07/2022, o seu apoio a este mesmo propósito, aguardando-se a respectiva declaração, por escrito.

     

    Associação Portuguesa de Geólogos (APG) – Manifestou-nos por escrito, em 18/07/2922, idêntico apoio.

     

    Associação Portuguesa de Professores de Biologia e Geologia (APPBG) - idem, 08/07/2022.

     

    Liga de Protecção da Natureza (LPN) – idem, em 18/07/2022.

     

    Instituto Politécnico de Tomar - idem, em 04/07/2922.

     

    Centro Português de Geo-história e Pré-história, idem, em 01/07/2022.

     

     

    INDIVIDUALIDADES ENVOLVIDAS NA DEFESA E VALORIZAÇÁO DESTE GEOMONUMENTO

     

    Elisa Ferreira – Professora catedrática de Economia da Universidade do Porto e actual Comissária Europeia para a Coesão e Reformas, fica na história deste Geomonumento. Foi no seu mandato e com todo o seu apoio que, após conversações entre o governo e o industrial, foi acordado pôr fim à exploração, a que se seguiu, em 1996, a classificação da jazida como Monumento Natural e a entrega do sítio à administração do PNSAC.

     

    Maria João Botelho – Arquitecta e então Directora do Parque Natural das Serras d'Aire e Candeeiros (PNSAC), liderou o grupo de trabalho que conseguiu a respectiva salvaguarda e conduziu à dita classificação. Deste grupo de trabalho fizeram parte o Dr. José Manel Alho, em representação da Quercus, o Eng.º Carlos Caxarias, designado pela Direcção Geral de Minas, o concessionário da pedreira, Rui Galinha, o vereador David Catarino, da Câmara Municipal de Ourém, o vereador Pedro Ferreira, da Câmara Municipal de Torres Novas, e uma representação do Museu Nacional de História Natural chefiada por mim, então director deste Museu.

     

    José Manuel Alho – Biólogo e actual Vice-presidente da Comissão de Coordenação do Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDRLVT), enquanto Director do PNSAC e, depois, Presidente do Instituto de Promoção Ambiental (IPAMB), coordenou, 1997, o “Programa de Intervenção no Monumento Natural das Pegadas de Dinossáurios da Serra d’Aire”, de que fiz parte, e no qual pudemos contar com a valiosa participação do Arqtº. Pedro Martins Barata. Os trabalhos prosseguiram a bom ritmo, enquanto durou a equipa ministerial liderada pela 

     

    Pedro Martins Barata - Professor catedrático convidado do Instituto Superior Técnico e da Faculdade de Arquitetura da então Universidade Técnica de Lisboa, integrou o atrás referido grupo de trabalhos e é o autor do Aramossáurio e do Painel do tempo.

     

    Fernando Catarino - Professor catedrático jubilado da Universidade de Lisboa, está, desde início, envolvido nos trabalhos inerentes a este Geomonumento, nomeadamente, no que se refere à criação e acompanhamento do Jardim Jurássico

     

    Mário Moutinho – Arquitecto e Reitor da Universidade Lusófona, autor do primeiro projeto de musealização deste Geomonumento, está comigo nesta proposta.

     

    INDIVIDUALIDADES QUE NOS APOAIM NESTE PROPÓSITO

     

    António Sampaio da Nóvoa – Reitor emérito da Universidade de lisboa, Ex-embaixador de Portugal na UNESCO e Conselheiro de Estado.

    Jorge Paiva – Professor catedrático de Botânica, da Universidade de Coimbra.

    António Batista Lopes – Advogado e editor da Âncora Editora.

    Carlos Fiolhais - Professor catedrático de Física da Universidade de Coimbra. 

    Henrique Cayatte - Designer e ilustrador, Professor convidado da Universidade de Aveiro.

    Carlos Medina Ribeiro – Engenheiro Electrotécnico do ramo de Energia (IST), (ex-chefe de projectos na Efacec Engenharia e ex-colaborador (como animador e escritor) da Missão para a Sociedade da Informação.

    Luis Raposo - Pré-historiador, Professor universitário e Presidente do ICOM Europa.

    Fernando Tavares Rocha – Professor catedrático de Geologia da Universidade de Aveiro.

    .

    Nota Final

    Estou a completar os 91 anos de idade e sei, portanto, que não o verei concluído, mas isso não me impede de trabalhar, empenhada e intensamente, para o pôr em marcha, necessariamente a correr. 

     

     

     

     

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  4. À atenção dos professores de geologia

    Após a acreção do protoplaneta que antecedeu a formação deste maravilhoso corpo planetário que nos deu berço, e na sequência dos processos que determinaram a sua diferenciação como planeta (nomeadamente e em especial, a contracção gravítica e a formação núcleo), a Terra acumulou uma quantidade de calor tal que a converteu numa imensa bola incandescente.

     

    Durante as primeiras centenas de milhões de anos, este nosso hoje “Planeta Azul” esteve envolvido num “oceano” de magma, em resultado da fusão da sua parte mais externa, “oceano” cuja profundidade teria sido da ordem de algumas centenas de quilómetros. Foi a partir da capa mais superficial deste invólucro ígneo que, por arrefecimento posterior, se formou a primitiva crosta terrestre (com mais de 4000 milhões de anos, desaparecida na sequência da contínua renovação da crosta determinada pela chamada tectónica de placas), separada de uma outra entidade, que se lhe segue em profundidade, também ela já parcialmente arrefecida, a que foi dado o nome de manto.

     

    Entendendo por magmatismo o processo natural através do qual um material fundido, a que se convencionou chamar magma, conduz à formação das rochas (ditas magmáticas), temos de concluir que este processo geológico é uma constante na história do nosso planeta (e do Sistema Solar) e que está na origem de todos os tipos de rochas (petrogénese). Com efeito, não haveria rochas sedimentares sem as magmáticas preexistentes, nem rochas metamórficas sem que, pelo menos, tivesse existido um destes dois tipos de rochas. É, assim, lícito pensar que o mesmo acontece nos planetas telúricos, nossos vizinhos, e noutros de outros sistemas planetários da nossa e de outras galáxias. O magmatismo é, pois, uma das fases da evolução da matéria no quadro universal da sua história, como são, entre outras:

     

    nucleossíntese que dá nascimento aos elementos químicos, em grande parte no interior das estrelas e na sequência das explosões (supernovas) que lhes ditam o fim; e a quimiossíntese que, por junção dos elementos químicos, dá origem aos compostos, entre os quais os minerais, fase esta que inclui o magmatismo e os restantes processos petrogenéticos, para além de outros, como são os biogénicos.

     

    Foi através do magmatismo que a Terra, em formação, libertou uma atmosfera primitiva, rica (entre outros componentes) em vapor de água e dióxido de carbono. Foi a partir deste vapor de água que se formou, por condensação, grande parte da hidrosfera. E, na medida em que a vida foi gerada nas águas, torna-se evidente a sua dependência do processo magmático. Assim, é lícito pensar que, sem magmatismo, a biodiversidade, tal como a conhecemos, não teria existido. Também os seres das profundidades oceânicas associadas a fontes hidrotermais e a chaminés negras (um ecossistema muito particular que só há pouco mais de três décadas foi conhecido) dependem absolutamente da actividade magmática, neste caso, submarina. Do mesmo modo, a atmosfera actual (a que hoje respiramos e que diariamente poluímos em nome do chamado desenvolvimento), na qual o oxigénio resulta da actividade biológica das plantas com clorofila, é uma consequência, embora indirecta, do magmatismo.

     

    Os magmas que, desde a existência de uma litosfera (conjunto da crosta e da capa rochosa do manto nascidas da diferenciação do planeta) geraram e continuam a gerar as rochas que, por isso, apelidamos de magmáticas, nasceram e continuam a nascer da fusão de rochas da crosta ou do manto superior, a temperaturas que variam entre cerca de 850°C, num xisto argiloso da crosta continental e em presença de água, e cerca de 1300°C num peridotito do manto, na ausência de água. No que se refere às pressões, o fenómeno pode verificar-se entre cerca de 3 a 4 atmosferas, a 10 km de profundidade, e várias dezenas de atmosferas, 100 km mais abaixo. Ao nível da crosta a fusão dos materiais rochosos, isto é, a geração de um magma acontece associada ao metamorfismo de grau mais elevado, no decurso da formação de uma cadeia montanhosa (orogénese). No manto, a fusão é praticamente anorogénica, isto é, não envolve compressões tangenciais. Está, sim, relacionada com movimentos verticais e diminuição de pressão ou com penetração de fluidos aquosos.

     

    A comparação frequente do magma com a lava incandescente ou ígnea saída dos vulcões, embora sugestiva, não é correcta. Deve acentuar-se que a lava já não é, exactamente, um magma, dado que, ao descomprimir-se na saída para o exterior, perde parte dos seus componentes gasosos (vapor de água, dióxido de carbono, entre outros) e, ao arrefecer, permite a cristalização (solidificação) prematura de alguns minerais (como é o caso dos cristais de olivina ou de augite em alguns basaltos) que, por acção gravítica, decantam, saindo também desse fundido, empobrecendo-o. Um material assim, como o que se vê transbordar do vulcão e fluir à superfície, em que coexistem grãos cristalinos (sólidos), material ainda fundido e apenas parte dos gases que inicialmente o formavam, já não deve ser considerado um verdadeiro magma embora tenha mobilidade. É curioso assinalar que, na origem, a palavra magma significa “massa empedernida”. Não obstante este significado, a petrologia adoptou essa mesma palavra para designar o material ainda em fusão (na totalidade ou em parte) que, por arrefecimento, consolida e, só então, se torna pedra.

    Do ponto de vista composicional, o magma pode ser então definido como um fundido de substâncias químicas, na grande maioria silicatos, existente em zonas mais ou menos profundas do planeta que, em virtude da temperatura e da pressão a que está sujeito, se mantém, pelo menos em parte, no estado líquido e, como tal, flui, ou seja, tem mobilidade. Neste banho e com uma representação muitíssimo inferior à dos silicatos, podem existir óxidos, em particular os de ferro, de titânio e de crómio, sulfuretos, fosfatos e carbonatos. Como numa sopa quente, além do caldo, que nesta imagem exemplifica a parte fundida, podem coexistir no magma fases sólidas, representadas pelos minerais, e gasosas (vapor de água, dióxido de carbono, gás sulfídrico e outros) que lhe são próprios, de que podemos ter uma ideia através das manifestações secundárias do vulcanismo, como são as mofetas e as sulfataras. As fases sólidas, quando presentes no magma, estão expressas pelos minerais que, por serem mais refractários (isto é, com um ponto de fusão mais elevado), cristalizaram prematuramente no seio do líquido magmático, o que não impede a mobilidade do conjunto, que poderá fluir enquanto houver uma fase fluida, ainda que residual, a assegurar-lhe essa característica implícita na própria definição de magma. É o que acontece, como se disse atrás, com os cristais de olivina e ou de augite em certas lavas de natureza basáltica.

    Como ingredientes fundamentais do magma silicatado (ver nota abaixo) figuram quase sempre pouco mais de uma dezena de elementos químicos, os mais abundantes na crosta terrestre, e, por isso, ditos principais ou maiores (do inglês major elements), cujas percentagens, respectivamente, em peso e em volume são:


    ...........Oxigénio (O): 46,6% peso; 93,8 % volume
    ...........Silício (Si): 27,7% peso; 0,8 % volume
    ...........Alumínio (Al): 8,1% peso; 0,5 % volume
    ...........Ferro (Fe): 5,0% peso%; 0,4% volume
    ...........Cálcio (Ca): 3,6% peso%; 1,0% volume
    ...........Sódio (Na): 2,8% peso; 1,3% volume
    ...........Potássio (K): 2,7% peso; 1,8 % volume
    ...........Magnésio (Mg): 2,1% peso; 0,3 % volume

    São estes, pois, os principais constituintes dos minerais das rochas magmáticas, entre os quais, como se disse, os silicatos que, por si só, representam cerca de 99% da crosta terrestre. A análise química destas rochas revela, ainda, manganês, fósforo, titânio, carbono e enxofre e hidrogénio praticamente sempre presentes, embora em menores percentagens.

    Parte da água inicialmente contida no magma entra na composição de certos minerais, outra perde-se, quer em profundidade, no interior da crosta, indo alimentar outros processos petrogenéticos, quer à superfície, no vulcanismo. É esta água no estado de vapor que, com o dióxido de carbono e outros gases de menor representatividade igualmente libertados do magma, se evola nas erupções vulcânicas, originando os espessos “fumos” brancos que se dispersam no ar, acompanhando quer as projecções sólidas de piroclastos, quer a saída e progressão da lava.

     

    Para além dos já referidos elementos principais ou maiores (por definição, aqueles cujas percentagens, em peso, nas rochas é superior a 1%), há ainda a considerar os elementos menores (do inglês, minor elements), entre os quais bário, chumbo, cobre cobalto, níquel, ouro, prata e muitos mais, cuja presença nas rochas se situa, em termos percentuais, abaixo de 1%. Nestes há que distinguir elementos secundários (entre 1% e 0,1%) e elementos vestigiais ou elementos-traço (do inglês, trace-elements) que, como o nome indica, estão representados em quantidades ínfimas. A presença de elementos-traço na composição dos minerais e das rochas é hoje fácil e rotineiramente pesquisada nos estudos petrológicos e geoquímicos. Consoante o rigor exigido pelas análises ou possibilitado pelos equipamentos disponíveis, a sua quantificação é expressa em ppm (partes por milhão) ou em cifras ainda menores, em ppb (partes por milhar de milhões). O termo oligoelemento (do grego, oligós, ínfimo), usado por alguns autores, é ambíguo, pois tem sido usado quer como sinónimo de elemento menor quer como de elemento-traço.

     

    No que se refere ao nosso planeta, o magmatismo foi e é uma constante na respectiva dinâmica global, quer sob a forma de vulcanismo e subvulcanismo (ascensão de magma que acaba por arrefecer e solidificar a pequena profundidade, antes de atingir a superfície, como aconteceu com os maciços de Sintra, Sines e Monchique), quer de plutonismo (arrefecimento e solidificação em profundidade). Pelo que conhecemos da história da Terra, temos de admitir que o magmatismo sempre antecedeu e antecede os outros dois processos petrogenéticos (a sedimentogénese e o metamorfismo). Com efeito, só depois das primeiras rochas (magmáticas) formadas à superfície da Terra estarem expostas aos agentes externos é que pôde ocorrer a sua erosão seguida de sedimentação e/ou a sua transformação em rochas metamórficas.


    Nota:

    Além do magma silicatado, o mais abundante e significativo, existe um outro, muitíssimo reduzido à escala do que conhecemos, de natureza carbonatada, essencialmente formado por carbonatos (de cálcio, magnésio, ferro e outros) que está na base de rochas magmáticas designadas por carbonatitos.

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  5. Devia ser esta a designação oficial da instituição que agora dá pelo nome de INSTITUTO DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA E DAS FLORESTAS (ICMF), que antes deste se chamou INSTITUTO DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZAE DA BIODIVERSIDADE (ICNB) e que começou, lógica e simplesmente, por ter o nome de INSTITUTO DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA.

    Tudo começa, e bem, com a criação, em 1984, do Serviço Nacional de Parques, Reservas e Conservação da Natureza (Decreto-lei 107/84, de 2 de Abril), ao tempo do Primeiro-ministro Mário Soares.

    É por demais sabido que, entre nós, quando mudam os protagonistas da coisa pública, mudam-se os nomes de ministérios, de secretarias de estado, de direcções-gerais, de institutos, laboratórios e outros organismos públicos, ao sabor das novas políticas e dos novos governantes, o que sempre acarreta perturbações no trabalho e custos desnecessários. Mas é assim. Sempre assim foi e continuará a ser. Foi o que aconteceu, nove anos mais tarde, emMaio de 1993, ao tempo do governo de Cavaco Silva, mudando-lhe o nome para Instituto de Conservação da Natureza (ICN), um nome bem escolhido, que abarcava todo o universo do anterior Serviço Nacional, dito em apenas três palavras.

    Conheci bem e trabalhei em estreita colaboração com este Instituto nos anos de 1995 a 2002, durante os governos de António Guterres, era Ministra do Ambiente e, depois, do Planeamento a economista Elisa Ferreira. 

    Quando, em 2007, sabe-se lá por que iluminada inspiração, o governo de José Sócrates entendeu mudar o nome deste Instituto bem conhecido por todos pela sigla ICN, para “Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade” (ICNB) (Decreto-Lei 136/2007, de 27 de Abril), lá longe, no reino das almas, Aristóteles, o pai da lógica, terá comentado: «Estes rapazes acabam de cometer um erro grave, posto que, logicamente, a nova designação pressupõe que a biodiversidade não pertence à natureza. E a verdade é que pertence». E terá acrescentado: «O antigo nome deste departamento do Estado estava correcto, dizia tudo, o necessário e o suficiente».

    Como já afirmei noutros locais, esta nova designação do citado organismo foi, pois, redundante, desnecessária, logicamente absurda e cientificamente ridícula. 

    Não obstante as vozes que se levantaram contra este dislate, eis que, cinco anos depois, outros “rapazes”, agora no governo de Passos Coelho, cometeram o mesmo disparate, ao rebaptizá-lo deInstituto de Conservação da Natureza e das Florestas” (ICNF) (Decreto-Lei n.º 135/2012, de 29 de Junho), numa aceitação igualmente implícita de que as florestas não fazem parte da mãe natureza.

     

    Os que tiveram o privilégio de estudar, aprenderam que a lógica é o ramo da filosofia que ensina a pensar correctamente na busca séria do conhecimento. Aprendemos ainda que foi Aristóteles, no século IV a. C., o introdutor desta metodologia do pensamento da Grécia Antiga, o mesmo que ainda regula as nossas vidas. A lógica é, pois, como que a ferramenta do pensador. Conta-se que um jovem curioso de saber se dirigiu a este que foi discípulo de Platão, e mestre de Teofrasto e de Alexandre, o Grande, dizendo-lhe que queria aprender com ele coisas sobre animais e invertebrados. Como resposta, Aristóteles (que também foi naturalista e quem primeiro dividiu os animais em vertebrados e invertebrados) ter-lhe-á dito, complacente: «Meu jovem, a tua frase conduz a um erro grave, posto que, logicamente, pressupõe que os invertebrados não são animais. E a verdade é que são. As formigas ou os mosquitos são tão animais como os cavalos ou as galinhas».

     

    As duas infelizes designações oficiais (ICNB e ICNF) que responsáveis da administração, falhos de cultura científica, resolveram atribuir a esta instituição, revelam-se tão absurdas como as que, entre outras barbaridades, poriam em evidência esta negação do pensamento lógico:

    “Sindicato dos médicos e dos cardiologistas”

    “Confraternização de militares e sargentos”

    “Dia mundial dos monumentos e dos castelos”

    “Acção metropolitana de apoio à família e aos filhos”

    “Observatório para o estudo dos pequenos mamíferos e dos morcegos”

    “Liga de defesa e valorização das árvores e dos sobreiros”

    “Comissão reguladora da venda do peixe e do bacalhau”

    “Sociedade exportadora de frutas e de laranjas”

    “Fundo de apoio à comunicação social e aos jornais”

    “Governantes e ministros em férias no Algarve”

    etc., etc., num nunca mais acabar de disparates alheios ao pensamento do imortal estagirita e criador do Liceu de Atenas.

     

    São dez violentas pedradas na lógica. Proferir ou escrever estas frases seria subentender que os filhos não pertencem à família, que os morcegos não são mamíferos, que os sobreiros podem ser tudo menos árvores e que o bacalhau não é peixe, nem as laranjas, frutos. Seria afirmar que os jornais estão fora da comunicação social e que os senhores ministros não são governantes, o que, nalguns casos, até faz algum sentido.

     

    Se é verdade que o Instituto em causa tem obra feita e bem feita na conservação da natureza viva, ou seja, na biodiversidade, também é verdade que, tirando a burocrática e minuciosa prosa constante dos documentos oficias que classificaram os sete Monumentos Naturais existentes em Portugal (não por sua iniciativa, mas por pressões exteriores de outras entidades), nada fez pela conservação da geodiversidade, em geral, nem, sequer, pela dos Monumento Naturais que foi levado a classificar. O Monumento Natural referente à jazida de icnofósseis (as pegadas de dinossáurios) da Pedreira de Santa Luzia em Pego Longo (Carenque) é um deles.

     

    Lembremos que esta importante Jazida foi classificada como Monumento Natural, em 1997 (Decreto n.º 19/97 de 5 de Maio), durante o governo de António Guterres. São seus objectivos fundamentais “a preservação e conservação da jazida de icnofósseis da Pedreira de Santa Luzia, bem como o seu estudo científico e divulgação numa perspectiva de educação ambiental”.

    Não obstante as sucessivas e insistentes diligências que empreendi, ao longo destes 24 anos, o abandono a que foi votado este Monumento Natural é uma vergonha e um manifesto incumprimento de uma obrigação legal, bem expressa no Artigo 7.º do referido Decreto n.º 19/97. onde se lê: “A fiscalização do disposto no presente diploma compete ao ICN, em colaboração com as autarquias locais e demais entidades competentes, nos termos da legislação em vigor”.

    Este Monumento Natural voltou a ser lixeira e é hoje um matagal com ervas e arbustos, tudo nascido e enraizado na própria laje que contém as pegadas. Uma vergonha para a Câmara Municipal de Sintra e uma vergonha ainda maior para o dito Instituto, a quem, como se leu atrás, compete fiscalizar e zelar por este valioso património.

     

    Em Julho deste ano o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra deu-nos razão, no seguimento de uma Providência Cautelar que havíamos interposto, condenando o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas e a Câmara Municipal de Sintra, a cumprirem, exactamente,aquilo a que a lei, expressamente, os obriga,constante no atrás Artigo 7.º do referido Decreto n.º 19/97. 

    Não satisfeitos com esta decisão da primeira instância, estes dois organismos recorrem para a instância imediatamente superior. Se, de certa maneira, mais tolerante, se pode compreender a ignorância e a insensibilidade da autarquia para este tipo de problemas, cujas preocupações abarcam um sem número de outros, próprios de um dos maiores concelhos do país, não se pode, de maneira nenhuma, aceitar esta irresponsabilidade de um organismo do Estado que tem por estatuto conservar a natureza e a natureza, como todos sabemos começou pela geodiversidade e só centenas de milhões de anos depois surgiu a biodiversidade.

    Esta irresponsabilidade que visa arrastar o problema por um tempo ao limite do possível, está a permitir a contínua degradação e eventual destruição da jazida é, afinal, um crime contra o património geológico impensável por parte do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas.

     

    Este desinteresse pela natureza não viva leva-me a pensar que este Instituto devia fixar-se na natureza viva e, daí, o nome “Instituto de Conservação da Biodiversidade”, deixando as preocupações da geodiversidade e as da geoconservação às instituições que já mostraram muito e bom trabalho nestes domínios como são o Laboratório Nacional de Energia e Geologia e as Universidades.

     

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  6. São duas as causas da minha relação muito próxima com estes bichos do passado geológico da Terra. 

     

    Uma foi a longa e árdua luta que, em nome pessoal e do Museu Nacional de História Natural e a partir de 1990, entendi travar face às administrações central e local, pela defessa das duas importantes jazidas com pegadas de dinossáurio que, entretanto, foram descobertas, “Pego Longo” (mais conhecida por Carenque), no concelho de Sintra, e “Pedreira do Galinha” no limite dos concelhos de Ourém e Torres Novas. 

     

    A outra foi ter usado o conhecido fascínio que os dinossáurios exercem sobre o público, em geral, e sobre as crianças e adolescentes, em particular, como elemento dinamizador na imensa tarefa de recuperação e valorização do que restou do Museu Nacional de História Natural, em grande parte destruído pelo incêndio de 1978. Como se imaginou, esta via surtiu efeito e, em 1992, a grandiosa exposição “DINOSSÁURIOS REGRESSAM EM LISBOA”, com as magníficas réplicas robotizadas, da empresa japonesa Kokoro, com mais de 340 000 visitantes, em apenas onze semanas, foi o começo de uma dezena de outras centradas nestes grandes sáurios, face às quais, actuei como responsável científico. 

     

    No propósito de me documentar científica e pedagogicamente para estes dois objectivos, tive de estudar o essencial do ramo da paleontologia que lhes diz respeito. Escrevi artigos em jornais e revistas, quatro livros de divulgação e dei dezenas de entrevistas na rádio e na televisão, acções que, sem me ter dado conta, me tornaram figura pública e, para as crianças, o pai dos dinossáurios e, agora, passados mais de 30 anos, o avô dos ditos.

     

    Tem acontecido, e não raras vezes, que jornalistas menos preparados ou menos rigorosos me apresentam como “especialista” neste ramo da paleontologia ou, mesmo, o “maior especialista”, incorrecções que, sempre que posso, tenho desfeito, uma vez que nuca fui nem sou investigador neste ramo científico.

     

    Ser o pai ou o avô dos dinossáurios, para as crianças, rapazes e raparigas dos nossos jardins escolas e escolas, abriu-me as portas a quaisquer temas do conhecimento que a oportunidade ditasse, nas muitas vezes que, ao longo destes anos, tive a oportunidade e o prazer de conviver com eles.

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  7. (40 anos de vida na Faculdade de Ciências, dos quais, 15 na de Letras, em Geografia)


    Terminada a licenciatura em Ciências Geológicas, em 1961, e sem qualquer preparação pedagógica, comecei imediatamente a leccionar, como assistente, em aulas práticas, na Faculdade de Ciências de Lisboa. Nos últimos anos de uma cristalografia essencialmente morfológica, baseada nas medidas de ângulos entre as faces dos cristais, e no começo de uma outra, dita estrutural, a penetrar no âmago da matéria cristalina e fundamentada nos arranjos tridimensionais dos respectivos átomos, tive à minha responsabilidade as aulas práticas de Cristalografia e de Mineralogia, sob a orientação do titular da cadeira, então o Doutor Rodrigo Boto, um compêndio vivo nestas matérias. Com ele ganhei um gosto especial pelo estudo dos minerais, uma semente que guardei ao longo dos anos e que, mais tarde, deu os seus frutos nos vinte anos (1983-2003) em que tive a meu cargo o sector de Mineralogia e Geologia do Museu Nacional de História Natural da Universidade de Lisboa. Só após o doutoramento me iniciei na regência de aulas teóricas. Os tempos eram outros e os jovens docentes eram preparados para prestar serviço na maioria das disciplinas da licenciatura. Da Cristalografia, Mineralogia e Petrologia, passando pela Geologia, Paleontologia e Geomorfologia, à Sedimentologia e Jazigos Minerais, quer em trabalhos práticos no laboratório e no campo, quer em aulas teóricas, em auditórios repletos de alunos, os docentes dos anos 60 e 70 eram conduzidos a uma visão ecléctica da sua área científica. Um tal eclectismo estava bem patente nas modalidades de doutoramento e de agregação de então que, para além das respectivas dissertações, incluíam provas teóricas e práticas incidindo sobre a totalidade das disciplinas da respectiva área. 

    Como hoje, a par da investigação científica, o docente da minha geração criava a sua própria pedagogia. Definia os conteúdos das suas cadeiras, regia-as a seu modo e, no final do ano, examinava os seus próprios alunos. A diferença com os tempos presentes está no facto de os actuais docentes, praticamente, só leccionarem as matérias afins do seu domínio de investigação. Desta nova visão do ensino resulta que grande número de docentes dos dias de hoje são, logo de início, conduzidos a especialização, adquirindo muitos conhecimentos num domínio bem delimitado, e muito poucos no restante saber abrangido pelo universo científico do respectivo departamento, incluindo aquele saber que nos habituámos a considerar como cultura geral.

    Ao iniciar funções docentes e, como disse, sem qualquer formação pedagógica, era minha convicção, que confirmei ao longo dos anos, que aprender a gostar de saber é uma das chaves que abre o caminho ao sucesso escolar. As outras, que a experiência me ensinou, são, por um lado, inculcar no aluno a consciência do dever cívico de estudar e, por outro, estimular-lhe a auto-estima. 

    Quaisquer que sejam as matérias em causa ou o nível de escolaridade ou etário do aluno, estas chaves fazem dele alguém que encara o estudo como uma condição de cidadania e que, além disso, tem gosto em estudar e que frequenta a escola com prazer. Para tal, o professor tem de conseguir estabelecer com o aluno uma aproximação de confiança e afectividade mútuas que lhe permita actuar, com êxito, nestas vertentes.

    Em algumas disciplinas da minha responsabilidade, como regente, de entre as mais avançadas e com menor número de alunos, informava-os, logo nas primeiras aulas, da meia dúzia de temas sobre os quais incidiria o essencial da avaliação final e acrescentava que, de entre eles, tirariam dois, à sorte e com quarenta e oito horas de antecedência, sobre os quais dissertariam ao nível da preparação que adquirissem. Durante as aulas sempre fiz questão de prender os alunos ao tema em tratamento, desencorajando-os de, como era seu hábito, tomar apontamentos de tudo, frase a frase, estenograficamente. Convidava-os a acompanharem a exposição, a reflectirem e a atingirem conceitos novos com base em dados adquiridos e ideias já formadas. Relativamente aos temas essenciais, passíveis de avaliação em exame, avisava-os disso e indicava-lhes a bibliografia que deveriam consultar. Face a outros temas, não essenciais, mas que me não dispensava de abordar, acrescentava que não seriam matéria de exame e que bastava que me seguissem com atenção, e que, caso isso os interessasse, podiam sempre retomar o tema, comigo, ou consultar o livro mais adequado. Esta metodologia funcionou sempre bem e com bons frutos.

    Por razões diversas, umas conhecidas, outras não, é frequente numa qualquer turma haver um, dois ou mais alunos menos motivados e visivelmente desinteressados das matérias em apresentação. Face a esses alunos, logo identificados nas primeiras aulas, adoptei uma estratégia que quase sempre resultou. Dava-lhes mais atenção, procurando estabelecer com eles um relacionamento de simpatia, que não era difícil transformar em amizade, e lhes tornava agradável a presença e o convívio na sala de aula. Colocava-lhes problemas simples, ajudando-os, se necessário, a resolvê-los, sem que se dessem conta dessa ajuda. Posto isto, elogiava-os na presença dos colegas, dava-lhes consideração e tratamento que acabava por os estimular a estudar e, assim, continuarem a merecer essa consideração. O resultado deste procedimento era, quase sempre, ganharem gosto pelas matérias, pelo seu estudo e, sobretudo, a já referida auto-estima.

    - Estuda-se para saber e não para passar no exame. - Dizia-lhes sempre que surgia oportunidade para o lembrar, rematando. - É o saber que nos valoriza como profissionais e como cidadãos. E o saber pressupõe trabalho.

    Numa época em que os alunos faltavam muito às aulas teóricas, aulas que, em alguns casos, eram perfeitamente substituíveis pela correspondente e hoje, felizmente, desaparecida sebenta, a grande maiori

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  8. Quando, no campo, olhamos para o granito num afloramento ou, na cidade, o pisamos, coeso e duro como pedra da calçada, podemos pensar que esta rocha sempre foi assim, mas não é essa a realidade. Podemos dizer, sem nos enganarmos, que são muitas as rochas que resultaram de outras e que o granito é uma delas. 

    Por exemplo, quem diria que o granito, que se vê e explora em Trás-os-Montes, no Minho ou nas Beiras começou por ser um xisto, o mesmo que, com ele, forma o substrato destas províncias. Podemos dizer, no estilo que a linguagem literária consente, que o granito é filho do xisto, mas também não nos enganamos se dissermos o contrário, ou seja, que o granito é o pai (ou a mãe) do xisto.

    A explicação desta realidade é simples se nos fixarmos nos aspectos mais gerais, deixando de parte pormenores, que aos especialistas dizem respeito, e a abordarmos por palavras que toda a gente entenda.

    Como é sabido, os agentes atmosféricos “apodrecem” (alteram) as rochas e é essa alteração que gera a capa superficial do chão que pisamos no campo (de aspecto terroso) que, uma vez invadida pelas raízes das plantas e por toda a componente orgânica (viva e morta) associada, se transforma no solo. 

    Continuando a pensar no granito que tomámos como exemplo, são o feldspato e a mica preta (biotite), próprios desta rocha, que sofrem o essencial dessa alteração. O primeiro, parcialmente, em minerais das argilas (barro), a segunda, libertando os óxidos de ferro que dão à rocha alterada, por vezes, o aspecto enferrujado. O quartzo, praticamente, não sofre qualquer alteração, o mesmo sucedendo à mica branca (moscovite) que apenas se divide em palhetas cada vez mais pequenas e delgadas. A alteração do feldspato permite que a rocha se vá desagregando (dizemos nós, arenizando) libertando os seus minerais.

    Uns sob a forma de areias (os grãos de quartzo, os de feldspato que resistiram à alteração e a ou as micas) ou de partículas destes mesmos minerais, mas mais finas, a que os geólogos chamam silte (do inglês “silt”) e os pedólogos designam por limo (do latim “limus”) e, ainda, os ditos minerais das argilas.

    Em tempo de chuva, as partículas mais finas (areias mais finas, o silte e os minerais das argilas), canalizadas pelos rios até ao mar, acabam por atingir o oceano profundo onde, ao longo de milhões de anos, se acumulam em depósitos sedimentares, alguns com milhares de metros de espessura. 

    Sempre que um oceano se fecha, porque dois continentes se aproximam e entram em colisão, toda a “capa” sedimentar acumulada no dito oceano é, por assim dizer, enrugada ou pregueada, gerando uma cadeia de montanhas com a suas raízes profundas (conhecemos raízes que ultrapassam os 70 km de profundidade). Neste processo, os ditos depósitos sedimentares vão ficando submetidos a temperaturas e pressões que aumentam com a profundidade. 

    Começam aqui as transformações próprias do chamado metamorfismo. De entre os que se afundaram menos e que, portanto, sofreram um metamorfismo menos intenso, surge o xisto argiloso, rocha que qualificamos de metassedimentar porque está na fronteira entre as sedimentares e as metamórficas. Com o aumento da pressão e da temperatura, em profundidade, o xisto argiloso transforma-se noutros xistos de grau de metamorfismo mais elevado, a que os geólogos deram o nome de xistos luzentes ou filádios. No prosseguimento desta descida em profundidade e de transformação em transformação, surgem o micaxisto o gnaisse e o migmatito, rocha esta que se apelida de ultrametamórfica e que exemplifica a fronteira entre o metamorfismo e o magmatismo. 

    Sem entrarmos em pormenores, podemos simplificar, dizendo que, mais abaixo, a profundidades na ordem das dezenas de quilómetros, a temperatura pode atingir os 800 oC e a pressão ultrapassar as 4000 atmosferas, condições ambientais que promovem a fusão destes materiais, dando nascimento ao magma que, uma vez, arrefecido, regenera o granito.

    Dizemos agora que, uma vez o granito aflorado à superfície, o que acontece muitos milhões de anos depois (o tempo necessário para que a erosão arrase quilómetros de espessura de rochas, esventrando as montanhas) a alteração começa aquilo que sabe fazer, repetindo a mesma sucessão de processos, dando início a mais um ciclo. Dizemos mais um ciclo porque não sabemos exatamente quantos, mas sabemos que houve vários (com a duração de centenas de milhões de anos) desde, pelo menos, há 4000 milhões de anos.

    O exemplo que aqui escrevemos de forma muito simplificada, mas que respeita o que julgamos ser o essencial deste processo, é apenas um daquilo a que os geólogos baptizaram de “Ciclo Petrogenético” ou “Ciclo Geoquímico da Rochas” que envolve todo o geodinamismo do planeta, o externo, envolvendo a alteração das rochas, a erosão, o transporte dos produtos erodidos e a sua sedimentação, e o interno, de que fazem parte o metamorfismo e o magmatismo.

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  9. afecto
    palavra que fomos buscar ao latim “affectus”, afigura-se-me como um sentimento marcado por uma natural, espontânea e notada dose de ternura na relação com o outro, que tanto pode ser uma pessoa, um animal ou, mesmo, um objecto.

    No seu último livro “Sentir & Saber”, editado em Novembro do passado ano, António Damásio, de que ainda só li algumas passagens, numa entrevista que deu a José Cabrita da Silva, do jornal I (mas que irei ler com toda a atenção, como fiz com alguns dos seus anteriores livros), veio reforçar uma convicção muito enraizada em mim, segundo a qual o afecto é fundamental em todos os domínios da nossa vida em sociedade.

    Damásio diz que as “capacidades afectivas são fundamentais porque são as primeiras”. São, diz ele, “os alicerces da nossa mente, daquilo que é o nosso ser”. E acrescenta que “é sobre essas capacidades que se vão colocar as capacidades cognitivas”. 

    “Esse “Penso, logo existo”, de Descartes, - continua o autor a dizer - é profundamente erróneo, porque vem de uma ideia de que aquilo que é o ser humano e aquilo que é mais valorizável no ser humano é o pensamento, mas um pensamento concebido no nível cognitivo puro”. Contrapõe a seguir, dizendo que “o fundamental, o alicerce de tudo isto, é aquilo que tem a ver com o nosso próprio corpo, com a vida que está a manifestar-se no nosso próprio corpo, e cujo estado (bom ou mau) é transmitido através do sentimento. Para Damásio, “as capacidades afetivas têm sido sistematicamente menosprezadas pela nossa cultura, pelo melhor da nossa cultura, não apenas hoje, mas na cultura filosófica tradicional”. Há 25 anos, em O Erro de Descartes, já o autor denunciava “a sobrevalorização das capacidades cognitivas puras, em detrimento das capacidades afectivas”.

    Para o autor de “Sentir & Saber”, o fundamental é que se perceba que aquilo que é ser humano não é redutível aos aspetos cognitivos da mente. Pelo contrário. É preciso alicerçar essa mente no que é fisiológico, naquilo que é a vida, naquilo que é o corpo. Não é dizer que somos só corpo, isso seria um disparate. O que não se pode é tentar perceber o que é o ser humano sem perceber o corpo, a fisiologia, e a expressão dessa fisiologia nos sentimentos.

    Para este neurocientista “aquilo que é a nossa vida, aquilo que é a nossa história e a nossa identidade, não é puramente cognitivo. É cognitivo misturado com o afecto. A vários níveis”. 

    Estas sábias palavras de quem há, décadas, estuda a anatomia do cérebro e a sua relação com os fenómenos da consciência, vêm ao encontro de uma convicção muito enraizada em mim e que posso expressar, servindo-me, em parte, das suas palavras, dizendo que aquilo que foi e ainda é fundamental no meu trabalho e no meu pensamento tem a ver com a mistura do que é afectivo com o que é puramente racional. 

    Tenho plena consciência de todos os êxitos no muito trabalho que desenvolvi, para além do empenho e da persistência que neles coloquei, foram ditados, sobretudo, pela afectividade que sempre caracterizaram o meu relacionamento com as pessoas, quaisquer que sejam as suas posições no tecido social, dos Presidentes da República ao mais humilde dos cidadãos, dos ministros aos contínuos dos ministérios, dos patrões aos assalariados, dos generais e almirantes aos soldados e marinheiros.

    Na árdua e prolongada luta que travei pela salvaguarda da jazida com pegadas de dinossáurios de Pego Longo (Carenque), tive oportunidade de me relacionar intensamente com a comunicação social escrita, falada e televisionada. Nesse relacionamento fiz tantos apoiantes e amigos quantos os media com quem privei, em número de algumas dezenas, entre os seniores mais prestigiados e influentes e os mais simples e apagados estagiários que, com o passar dos anos, se fizeram respeitados profissionais. Percorri os corredores do Poder e, sem nunca me afastar das causas que abracei e pelas quais me bati e dei a cara, fiz amigos e estabeleci relações de muita simpatia com alguns ministros e, o que sempre foi muito importante, com os chefes de gabinete e com as respectivas senhoras secretárias. Outro tanto aconteceu no universo da Assembleia da República, independentemente das filiações partidárias, dos líderes das diferentes bancadas parlamentares aos deputados de todos os partidos. Tem sido assim nas muitas Câmaras Municipais, à margem das respectivas cores políticas, com as quais iniciei e tenho mantido estreita cooperação, sempre a título gracioso, nunca remunerado (pro bono), condição essencial que sempre garantiu e garante a minha não dependência desse outro poder e me não inibe de exercer livremente o meu juízo crítico e de procurar levar a bom termo os projectos em que me tenho envolvido. Criar pontes de afecto com presidentes ou directores e funcionários, dos mais categorizados aos mais humildes, nas mais variadas instituições públicas e privadas com as quais tive de me relacionar, profissionalmente ou apenas como cidadão, agilizou grandemente todo o trabalho que desenvolvi numa fase da minha vida em que estive ligado ao Museu Nacional de História Natural. Devo dizer, em abono da verdade, que sem o suporte institucional deste museu e sem o apoio de alguns dos seus funcionários eu não teria tido nem a voz nem a visibilidade que os “media” me deram. Nas duas décadas em que tive responsabilidades na Universidade de Lisboa e, em particular, no Museu Nacional de História Natural, de que fui director, beneficiei, da estima e do afecto dos quatro reitores que nos tutelaram nesses anos, nomeadamente os Profs. Rosado Fernandes, Meira Soares, Barata Moura e Sampaio da Nóvoa.

    Na Faculdade de Ciências, onde exerci a docência entre 1961 e 2001, ano em que me jubilei, a vida correu-me bem. Pode dizer-se que tive uma carreira sem dificuldades de maior, que me permitiu viver em paz comigo, com os colegas e com a instituição, num ambiente de grande afectividade e simpatia. Foi prova deste viver a numerosa assistência, nunca vista (cerca de 800 pessoas, entre amigos, colegas, alunos e ex-alunos), à minha última lição, “Geologia e Cidadania”, em 30 de Maio de 2001, no grande auditório da Faculdade. Afectividade influenciou, certamente, as muitas distinções e honrarias de que fui e ainda sou alvo.

    É verdade que, praticamente, tudo o que experimentei a fazer ou fiz, foi feito com amor, algumas vezes com paixão. Foi assim em criança, em que, brincando, fui aprendiz atento de muitas artes. Como estudante, só fui bom aluno com os professores com quem estabeleci relações de afecto. Com os outros fui sofrível ou, mesmo, mau.

    Como professor que fui durante quatro décadas pude confirmar que a relação de afecto entre o aluno e o professor constitui uma componente fundamental para o sucesso escolar. Como divulgador de conhecimento que também fui durante esse mesmo período, mais os vinte anos que se seguiram à jubilação, diz quem me ouve ou lê, que as minhas palavras tocam a afectividade e que, muitas vezes, têm sabor de poemas. E eu sei que é verdade, posto que, ainda hoje, as minhas madrugadas são trocas de afectos com os meus quase 19 000 leitores, aqui no Facebook, nos bloques em que participo e nos livros que, entretanto, escrevi.

     

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  10. O livro «As Pedras na Ciência e na Cultura» é uma «viagem» extraordinária pelo universo das rochas, de que a generalidade das pessoas tem um conhecimento superficial. Numa escrita primorosa, o rigor da informação e a objectividade são conseguidos com uma liberdade de exposição e uma «tonalidade» de escrita só ao alcance de quem possui uma vastidão de conhecimentos e uma capacidade de comunicação fantásticas, baseadas na paixão pelo saber e na vontade de o partilhar com o público.

    Muito ganha o leitor ao iniciar esta «viagem». Porque pode seguir como quiser, do início ao fim, ou saltar pelos temas, voltar atrás, ou começar até do fim para o princípio, que não perde por isso. É como se navegasse num livro impresso tradicional, porquanto, cada tema ou capítulo é claro e atractivo em si mesmo e harmoniza-se com os restantes. Pode seguir ou «vaguear» por diversos «percursos», tamanha é a riqueza dos conteúdos, em termos científicos, mas também de cultura geral, onde cabem a explicitação dos étimos, a poesia, os adágios, o conto, a escultura, a arquitectura, a toponímia, ou a referência aos vultos que engrandece(ra)m a História do conhecimento geológico. Em qualquer caso, o leitor é transportado muito para além do estudo específico de minerais e rochas, como sejam as relações de uns e de outras com a economia dos povos e seus usos e costumes – a sua cultura, ou o modo como influencia(ra)m paisagens e seres vivos ao longo dos tempos.

    Como se não bastasse, para entendimento do que é esta bola planetária em que nos cabe viver, há ainda a explicação alargada, em linguagem simples, dos impactos de corpos rochosos na Terra e das cicatrizes que deixaram nela, como que a transportar-nos para os limites do entendimento de quem somos no universo. Acresce, a cada passo, a revelação de curiosidades pertinentes que aumentam o prazer da leitura e a bagagem de conhecimentos.

    Naturalmente, o livro também se presta valiosamente a visitas curtas ou consultas pontuais, em qualquer altura, aos seus diversíssimos temas ou a algum dos seus dois glossários finais. 

    Ao elucidar os fenómenos naturais (e artificiais) da origem e alteração de minerais e rochas, além de explicitar com clareza muitas das condições, das técnicas e das tecnologias com que o ser humano, desde as suas origens, procedeu à sua exploração e emprego, o livro «As Pedras na Ciência e na Cultura» poderia, resumidamente, classificar-se como uma obra de decifração (em linguagem acessível) do que as «pedras» são, da sua importância na litosfera (do grego lithos, rocha, e sphaira, esfera), das suas utilizações possíveis e da informação que nos podem fornecer. Como as «pedras» são o suporte em que a Natureza registou a sua História, não há como estudá-las para se entender o passado da Terra, imensamente anterior ao aparecimento da espécie humana, e conhecer os mecanismos geodinâmicos fundamentais, prevendo ou antecipando, de algum modo, os fenómenos geológicos que podem ocorrer no presente e no futuro, com implicações mais ou menos dramáticas no mundo vivo e nas realizações humanas. Esse estudo importa ainda como meio de alargar os conhecimentos que permitam explorar e transformar sustentavelmente os recursos minerais, assegurando a qualidade ambiental e o respeito pela importância dos geomonumentos. 

    É muito importante a divulgação e a compreensão, mesmo pelas pessoas comuns, dos mecanismos básicos e gerais da origem das diferentes rochas e das condições em que podem converter-se umas nas outras, ao longo do tempo geológico, num ciclo (petrogenético) não perceptível à escala temporal dos humanos, porque de uma dimensão muitíssimo mais longa. O Professor Galopim de Carvalho, no seu labor incansável e fecundo, fala-nos de tudo isso com a paixão serena de quem ama o que sabe e se dedica inexcedivelmente a divulgar o que estudou e aprendeu.

    E fá-lo como poucos, contagiando com o seu entusiasmo os que tiveram o privilégio de terem sido seus alunos e muitos dos que leem o que escreve (em livros e revistas, em jornais, em blogues diversos ou nas redes sociais) ou ouvem as suas comunicações, sejam crianças de tenra idade, jovens ou adultos.

    Por consequência, este livro nasceu com tanto empenho e generosidade, quanto o desejo de aumentar a literacia dos portugueses, numa área em que a preparação geral é tendencialmente fraca. Uma parte muito significativa do público-alvo são (ou deviam ser) os professores do 3º ciclo do ensino básico (7º - 9º anos de escolaridade) e do ensino secundário. Especialmente para esses, a obra surge plena de oportunidade. Da acção pedagógica dos professores depende a formação dos jovens, a qual, no que se refere à Geologia, e devido a factores vários, continua a revelar falhas comprometedoras e notória impreparação geral. Ora, nada melhor que (in)formação rigorosa e fundamentada, de preferência exposta com o dom da clareza, da elegância e da economia de palavras, numa escrita plena de harmonia nos termos e nos conceitos, no discurso, nas ideias e nos conhecimentos, que o saber e a arte do autor tornam próxima e convidativa. Livros assim são como que «acções de formação» (cómoda, fácil, agradável e proveitosa) sobre conteúdos relevantes prontos a assimilar e sempre disponíveis.

    Mas o livro «As Pedras na Ciência e na Cultura» pode também ser muito útil no ensino universitário, sobretudo para os estudantes de ciências geológicas e áreas relacionadas dos primeiros anos, quer pelas falhas de preparação de anos anteriores, quer pela visão integrada e global da abordagem às «pedras» que proporciona. 

    Assim, ganham todos os leitores interessados numa cultura geral abrangente ou em conhecimentos específicos, desde o fabrico da cal e do cimento, às aplicações artesanais e industriais do barro, à elaboração da calçada portuguesa, à exploração de adubos, do gesso, do sal, do alumínio, do ferro, dos carvões ou das pedras preciosas, passando pela informação fornecida pelo estudo dos meteoritos, tudo isso e muito mais aqui harmoniosamente tratado pela pena do Professor Galopim de Carvalho. E de que ele nos fornece vastíssimos exemplos, por todo o território português ou em quaisquer locais do planeta - a “bola colorida” que é a nossa casa e onde temos que encontrar e gerir responsavelmente tudo o que precisamos para sobrevivermos enquanto espécie biológica.

    Em boa hora este livro viu a luz do dia. Lê-lo é um prazer que faz crescer. É essa a sua função. Aproveitemos, em benefício próprio e em homenagem ao Bom Mestre e Homem Bom que o produziu.

    Com admiração profunda e sentido agradecimento”.

    José Batista d’Ascenção

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